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quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Aprendendo com a culpa


Por Sheila Almendros


Ele acorda todos os dias e se olha no espelho ao lavar o rosto. Pensa em como terá outro dia longo e cansativo, sem espaço para fazer planos e nem ao menos executá-los. Tudo o que lhe restou depois de uma experiência amorosa conturbadora foram cicatrizes as quais pareciam que nunca mais sarariam. Não se sentia encaixado dentro das suas próprias qualidades, pois acreditava que seus defeitos tinham maior merecimento de serem lembrados. E aquela auto-estima vivia oscilando, como se aquela que ele faz questão de tornar passado tivesse posse do controle que diminuía e aumentava a intensidade.

Dentro do ônibus, olhando vaziamente para as ruas, para os carros que passavam e os naquele trânsito caótico, pensava nas possibilidades de odiá-la para sempre. Já tinha queimado suas fotos, jogado fora todos os seus presentes, mas cada vez que se entretia com o passado, sentia-se recaído por coisas que ele sabia que não eram boas. Nunca foram saudáveis, nunca perpetuou carinho, nem tão pouco respeito.

Sentia-se tão sensível quanto uma mulher, mas não temia ser sincero com ele mesmo. E de tanto olhar para trás esqueceu-se de olhar para si mesmo, e perceber que diversos pontos positivos ainda restavam dentro de si, nessa batalha entre o costume de estar com aquele alguém que acreditava ser amor, ou progredir no amor próprio e encarar o falso sentimento como comodismo.

E milhares de mulheres tentaram entrar na sua vida. Das mais belas e gostosas, até as que considerava mulheres ideais para toda a vida. Foram várias que ele levou para sua cama e no dia seguinte queria chorar de tanta raiva que sentia. Queria se libertar – se sentia apavorado de ver que não tinha auto-controle. Era uma jaula transparente do mundo que ele mesmo se culpava por ter jogado a chave fora.

Seu pensamento foi interrompido pelo celular que vibrou no bolso. Era ela. Mais uma vez, ela. Queria atender, dizer tudo que sentia, e ao mesmo tempo, manda-la as favas, mas preferiu a ausência de palavras e não atender àquele chamado. Ele sabia que se suas lembranças já lhe causava transtornos, uma conversa logo pela manhã o deixaria pior ainda!

E chegando no trabalho, cumpriu a sua rotina: abriu seus e-mails, querendo encontrar algum com o nome dela somente para ter o gosto de sentir seu ego inflado. Apagou os spans, respondeu os essenciais e abriu uma pasta de músicas que faziam lembrar o ódio por ela. Cumpriu suas tarefas, saiu para fumar o seu cigarro e contou quantas ligações não atendidas tinha com aquele nome. Ele queria brigar na ausência de palavras: queria ler suas ofensas, mas não queria ter o direito de tréplica. E por telefone ele seria obrigado a responder.

E o dia passou sem novidade alguma. A comida no almoço estava sem gosto, o café que tomou a tarde inteira mais ainda, na internet nenhuma notícia que lhe despertava interesse e sem nenhum pique pra mudar isso tudo. Por ele, continuaria nessa condição esperando a vida passar, e torcendo para que ela passasse depressa – o pouparia de muitos esforços.

Antes de deitar, se voltou à sua crença e pediu a força superior que acreditava uma razão para mudar tudo isso. E pediu com sinceridade. Ele não acreditava que a vida não tinha significado e ela teria que ser obrigatoriamente vazia e sem nexo, a ponto de ser deixada tão de lado como havia fazendo. Não deu tempo de encerrar sua prece, pois caiu no sono antes mesmo que percebesse.

Sonhou com uma pessoa desconhecida, a qual que oferecia a paz desejada. Essa não abria a boca para falar, mas podia ouvir sua voz em seu interior. Parecia que suas palavras saiam de seus olhos, e um olhar sereno lhe transmitia segurança em confiar. A conversa nada mais era sobre seu mundinho particular. Começou questionando-lhe porque perdia tanto tempo descontando a raiva em si mesmo por um passado que ele deveria enterrar, e não ressuscitar. Mostrou-lhe que ao invés de planejar o seu futuro e traçar o presente, culpava a falta de tempo em não fazer projetos, mas perdia boa parte do seu dia pensando nela e todas as formas que podia odiá-la. Mesmo querendo arrancá-la de sua vida, teimava em fazê-la permanecer, mesmo que em pensamento. E se ambos não estavam juntos hoje por conta do mal que lhe transmitia, mesmo separados ela continuava não lhe fazendo bem, mas desta vez por sua própria culpa em não deixa-la partir de uma vez por todas.

Acordou assustado. Sentou-se na cama e passou a refletir de modo inverso ao que estava acostumado a fazer. O quanto deixou de pensar em si mesmo para pensar na que ele mais queria esquecer. Fazia tempo que ele não sabia o significado de ser feliz de verdade. Queria ter esse gostinho novamente, de poder sorrir com espontaneidade, viver sem ser dependente e provar pra si mesmo o quanto era capaz de reverter as coisas. Queria sentir tesão por outra mulher, da mesma forma que ele estava sentindo sede naquela madrugada quente. Lembrou de quantas pessoas deixou no meio do caminho, e ainda tentou entender qual caminho tinha tomado! Queria sonhar novamente com aquela figura humana que mais parecia a representação da perseverança. Acordou mais crente em si mesmo, e jurou a si mesmo que a partir daquele dia, sentiria mais o amor por si mesmo, ficaria mais mais contente com sua própria companhia, teria mais prazer me olhar para si mesmo, até diante do espelho, e acreditaria principalmente, que toda sua força e determinação seria capaz de reverter o medo de ser feliz em amor pela liberdade. A verdadeira liberdade.


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